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Um carrossel de emoções...

  • Writer: Gameverna
    Gameverna
  • Dec 1, 2020
  • 4 min read

The Last of Us Part II


Estou a escrever este texto apenas meros minutos depois de ter acabado The Last of Us Part II, e ainda estou meio abananado. Não é normal um jogo trazer à tona emoções fortes em nós, acontece-me mais frequentemente com livros. Por acaso não há muito tempo li o Crime e Castigo de Fiodor Dostoievski, e proporcionou uma experiência similar, embora bastante diferente no que toca aos sentimentos que evocou. Confesso que quando o jogo saiu não tinha interesse no mesmo, apesar de ter gostado bastante do primeiro e do mesmo ter sido importante para mim a nível criativo. Uma história para outra altura. Acabei por comprar o jogo pois surgiu a oportunidade de o fazer a um preço bastante baixo, tão baixo que me permitiu correr o risco de não gostar e vender novamente. Esteve cerca de um mês na minha prateleira, mas chegou finalmente aquela vontade de pegar nele e ver afinal o que era este jogo tão controverso. Devo dizer que, apesar de ter noção que havia uma grande controvérsia à volta do mesmo, não fazia ideia do que era, e sinceramente não tenho interesse que a internet e os seus paladinos me elucidem quanto à sua necessidade de pertencer. Como tal, passando à frente, vou tentar descrever o que The Last of Us Part II significou para mim. Digo tentar porque não creio ser possível vos transmitir certas coisas sem que as mesmas sejam sentidas.

Vou só tirar os aspectos técnicos da frente, que apesar de excelentes não são o que fizeram para mim este jogo, embora tenham claramente ajudado. Lembro-me de quando saiu The Last of Us na Playstation 3 pensei “God déimn, isto está a correr numa Playstation 3?”. Parecia demasiado bom para o hardware disponível, esta sequela levou-me a pensar exatamente a mesma coisa da Playstation 4. Uma ode ao que é possível atingir com os recursos disponíveis, quando a criatividade e o orçamento não são um problema. Foram várias as vezes que me deslumbrei com os visuais, não só pela qualidade, mas também pela criatividade dos cenários, e o impacto que os mesmos têm sem nos apercebermos de tal. Este é daqueles que se a minha avó olhasse para a TV de repente diria “que filme estás a ver?”, se calhar a minha mãe também caía. Numa altura em que a próxima geração de consolas acabou de chegar às lojas, é difícil visualizar algo que ultrapasse graficamente este jogo em grande escala. Mas a verdade é que penso isto de 10 em 10 anos, portanto daqui a 10 anos vou estar a dizer o mesmo, e a pensar em The Last of Us Part II como graficamente impressionante… à 10 anos atrás!

Apesar de ser um jogo relativamente grande, ainda demorou umas boas 25 horas, o que não é comum para o género, nunca ficou enfadonho. Em grande parte isto deve-se não só à maneira como a narrativa se desenvolve, mas também ao combate visceral e super bem feito. O instinto de sobrevivência passa para o jogador de uma maneira, que mais nenhum outro jogo conseguiu até hoje. Penso que nunca dei tanta importância às mecânicas de stealth, crafting e de desenvolvimento do personagem. Tudo porque queria ter o máximo de ferramentas à minha disposição, para ter sucesso nos encontros com humanos ou clickers. Entrei completamente naquele mundo, scavenging tornou-se uma normalidade necessária, o stealth era a maneira de abordar, não o confronto directo por ser mais perigoso para a personagem, para mim. A violência desses confrontos e dos acontecimentos são o que eu imagino como retrato de uma sociedade dividida, destroçada por uma catástrofe. É um mundo onde o humano, novamente, recorre aos instintos mais básicos para sobreviver. E ao fazê-lo, elimina toda a ternura de um mundo onde a racionalidade vinga no meio do caos necessário.

É nesse mundo que se inserem as nossas personagens, todas elas estupidamente bem construídas. De facto, a narrativa é o ponto para mim mais alto. Não só a linha principal mas tudo à volta. Muitos encaram como sendo um jogo sobre raiva, vingança e violência. Acho que é muito mais que isso, é sobre amor e sobre perda. Todos nós que já perdemos alguém muito querido, e que sentimos que muita coisa ficou por dizer, vamos identificar-nos com Ellie. A sua sede de vingança não é mais do que a necessidade de resolver-se a ela própria, sem perceber numa fase inicial como o fazer, seguindo apenas o instinto. Tudo neste jogo é uma consequência do amor que as pessoas sentem umas pelas outras, e do descontrolo de alguém que perde uma pessoa que é um pilar na sua vida. O jogo reflete esse descontrolo e também a dificuldade em o resolver, em deixar para trás, em passar à frente. É preciso força e discernimento, diligência e auto-controlo, e tudo fica muito mais difícil num mundo como o apresentado aqui. O facto de, a meio do jogo, questionarmos todas as nossas acções porque vimos o outro lado da história, levará certamente muitos a pensar no bem e no mal, no correcto e no incorrecto. Nas acções que escolhemos tomar e qual será o impacto das mesmas no outro lado. Até que ponto é que o que nós achamos melhor para todos, não está camuflado como o que achamos melhor para nós? The Last of Us Part II levanta muitas questões no seu decorrer, mas traz também consigo sentimentos e emoções ao de cima. São raríssimos os jogos que a mim o conseguiram fazer, o último que me lembro foi Death Stranding, e antes disso possivelmente só o Metal Gear Solid 3, ambos do Hideo Kojima.

Há sempre “aqueles jogos” para todos nós, aqueles que realmente nos fizeram ficar a pensar sobre eles durante dias, e que ao fim de anos ainda nos vêm à cabeça como experiências que valorizamos. Este é para mim um desses exemplos. Ainda tenho que processar bem, e deixar passar um tempo para ver como evolui o sentimento em relação a este jogo, mas de momento devo dizer que é um dos melhores que joguei na minha vida. Uma experiência transcendente que acredito ser um dos jogos obrigatórios para qualquer pessoa, desde que tenham estômago para aguentar o carrossel de emoções.

Meu querido Avô, todos os dias me lembro e todos os dias custa. Enquanto eu for vivo tu também és. Amor e perda.


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