Evil Beware
- Gameverna
- Apr 3, 2020
- 9 min read
Uma Retrospectiva à série Diablo

Inicio de uma Lenda: Os Role Playing Games para computador foram um estilo muito popular durante os anos 80. Principalmente entre aqueles que eram viciados no famoso Dungeons & Dragons. Muitos foram os títulos produzidos baseados na fantasia deste jogo de papel e caneta durante essa época, mas, nos anos 90 os First Person Shooters e jogos em FMV como Myst ou Return to Zork eram imensamente populares. Os computer RPGs não conseguiam acompanhar a evolução gráfica destes jogos e por isso eram considerados um género menos interessante e praticamente morto. A complexidade e dificuldade destes jogos também não ajudavam a que o comum dos mortais se sentisse interessado. Assim, apenas aqueles mais dedicados e apreciadores do género é que acabavam por desfrutar destes títulos. Consequentemente as vendas deste tipo de software baixou drasticamente, fazendo com que ninguém quisesse correr o risco de distribuir nada deste género. Em 1993 Max Schaefer, Erich Schaefer e David Brevik formavam uma companhia chamada Condor. Esta foi responsável pelo port de Justice LeagueTask Force para a Mega Drive. No entanto os criadores queriam fazer muito mais do que adaptações e jogos de desporto, e assim começaram a trabalhar naquilo que viria a ser Diablo. A inspiração vinha principalmente de dois jogos – Moria e X-COM UFO Defense – ambos com a característica de terem mapas gerados aleatoriamente, algo que veio mais tarde a ser característico da série. Não havia infelizmente interesse em Diablo por ser um RPG, mas, a empresa que tinha trabalhado na adaptação para Super Nintendo de Justice League Task Force, mostrou interesse, essa empresa era nada mais nada menos que a Blizzard Entertainment. Com o acordo assinado entre as duas empresas, e a mudança do nome da Condor para Blizzard North o desenvolvimento do jogo continuou. Depois de algumas divergências entre membros da equipa e depois de abandonar a fórmula por turnos para se tornar um jogo em tempo real, no último dia do ano de 1996 Diablo chega às lojas.

O segundo dos três gigantes da Blizzard – Diablo: Fugindo às conventuais epopeias dragónicas e góblinicas, Diablo tinha uma identidade muito própria. A magia, as espadas e os machados faziam parte da fórmula mas todo o ambiente destoava da típica fantasia produzida até então. Aqui assemelhava-se mais a um ambiente de terror, obscuro e opressivo do que a heróis com espadas de aço que vencem o dragão milenar do lago de cristal. Algo que também reinava nesta nova abordagem ao género RPG era a simplicidade. Diablo era acessível, com muito pouco para o jogador gerir. Apenas era necessário preocuparmo-nos com um personagem (ao invés de quatro como era normal), e apenas evoluíamos os seus atributos e geríamos o equipamento. Não havia aqueles menus de costumização de personagens ultra complexos típicos dos jogos da série Dungeons & Dragons, onde a única coisa que não podíamos escolher era uma segunda cabeça. Esta particularidade trouxe muitos novos jogadores ao género, pessoalmente estive incluído nesse saco, e para alguém bastante novo como eu, a facilidade em perceber as mecânicas foi um factor determinante para ter uma experiencia gratificante. Diablo é acima de tudo um jogo imensamente divertido. Aquilo a que normalmente chamamos “loot” foi aqui levado a um patamar nunca antes visto e a procura por melhor equipamento tornou-se quase uma obsessão. O combate era simples mas muito satisfatório com efeitos sonoros que faziam parecer que estávamos nós naquele campo de batalha e com animações da morte dos inimigos que nos davam um sentido de realização constante. A aleatoriedade de todos os 16 pisos da masmorra de jogo fazia com que toda a experiência pudesse ser repetida vezes sem conta e nunca se repetir. Embora seja simples de criar o nosso personagem este é também muito flexível no que diz respeito aos seus atributos. Mesmo escolhendo a classe sorcerer (focado obviamente em magia) é possível que este consiga fazer o papel de um warrior se o jogador assim o quiser. Diablo tem também uma das mais fantásticas bandas sonoras originais jamais criadas. A faixa Tristram, que tocava enquanto estávamos na vila, é das faixas mais bonitas e mais reconhecíveis do mundo dos vídeo jogos. O jogo foi um enorme sucesso vendendo mais de 2.5 milhões de cópias. A única expansão de Diablo, Hellfire, não foi lançada pela Blizzard North mas sim pela Synergistic Software, uma divisão da Sierra. Esta oferecia uma nova classe, o Monk, novos items, novas quests etc. Melhor do que Diablo neste género só mesmo aquilo que viria a ser o seu sucessor.

Elevar a fasquia – Diablo II: O enorme sucesso do primeiro título fez com que se esperasse muito desta nova série, portanto a sequela foi aguardada com grande expectativa e, ao mesmo tempo, com uma fasquia bastante elevada. Passaram sensivelmente 3 anos e meio até que a Blizzard apresentasse essa sequela, em meados de 2000, e com o novo milénio veio um novo standard no género: Diablo II. Este foi, para muitos, um ponto de charneira no mundo dos videojogos, mais particularmente no mundo fantástico dos RPGs; daqueles pontos em que se percebe claramente que as coisas mudaram e iriam mudar ainda mais daí para a frente, de tal forma que praticamente todos os RPGs ocidentais que o sucederam ficaram etiquetados como "Diablo clones". Os alicerces estavam criados com o primeiro jogo: a jogabilidade simples e acessível, o ambiente, a caça ao melhor equipamento, tudo isso seria transposto para o segundo jogo com uma pequena grande diferença...melhor ainda! A primeira diferença mais óbvia foi a adição de novos personagens/classes: aos já existentes Warrior (renomeado para Barbarian), Rogue (renomeado para Amazon) e Sorcerer juntaram-se o Necromancer e o Paladin. Estes dois últimos podem ser vistos como variantes da Sorcerer e do Barbarian, ainda que com as suas singularidades; o Necromancer distingue-se por se focar mais nas magias negras, como ressuscitar mortos e invocar criaturas para lutar ao nosso lado, enquanto que o Paladin, apesar de ser uma personagem bastante física, tal como o Barbarian, sacrifica um pouco da sua brutidade para incluir algumas habilidades que ajudam a aumentar os seus atributos, alguns específicos para uso em combinação com escudos. Em termos de ambiente continuamos bem servidos (se não melhor mesmo). A soturnidade e suspense que foram introduzidos no primeiro jogo são aqui elevados ao seu expoente máximo, tornando-se numa das suas marcas de identidade. A música, que também contribui para o ambiente, é magistral e das melhores coisas que se fez até hoje no género. Prestem atenção à faixa "Tristram", de preferência enquanto jogam, e certamente que, tal como eu, ficarão com ela gravada na memória. No meio disto tudo, aquilo que distinguiu Diablo II não só do seu antecessor como de toda a concorrência no género foi a capacidade incrível de criar um vício fora do normal. A jogabilidade era simples, acessível, fácil de engrenar e, ao mesmo tempo, oferecia profundidade a quem quisesse explorar as skilltrees de maneira a obter diferentes variantes dentro da mesma classe (podíamos ter um Necromancer mais virado para os summons ou mais para as curses e efeitos negativos nos oponentes, podíamos criar um Paladin mais agressivo ou mais táctico, ou uma Amazon com especialidade em lanças ou arco e flecha). Este vício fora do normal era exacerbado por uma coisa muito simples, mas eficaz: a procura incessante e, muitas vezes, maníaca por novo loot. Era isto que nos fazia transformar uma afirmação de "vou só jogar aqui 15 minutos antes de me deitar" numa sessão de 3 ou 4 horas pela madrugada dentro e que fazia os nossos ratos gemerem de dor de tanto clique que sofriam nas nossas mãos (eu próprio cheguei mesmo a deitar um fora, que deu os seus últimos "fôlegos" durante uma sessão de Diablo II).

Para deleite dos fãs, que não se cansavam de dar voltas e voltas pelos mundos fantásticos de Diablo II, um ano depois, em 2001, fomos presenteados com uma expansão chamada Lords of Destruction, que acrescentava imenso conteúdo e melhoramentos, como por exemplo mais um acto à história, mais loot, novos itens e duas novas personagens: o Druid (mais uma variante da Sorcerer e do Necromancer, com poderes naturais e de shapeshifting) e a Assassin (uma espécie de Thief com habilidade de colocar armadilhas, atacar furtivamente e usar armas delicadas mas com possibilidade de dar dano crítico bastante acentuado).Pelo caminho ficam ainda memórias calorosas de personagens icónicas como o DeckardCain (“Stay a while and listen!!”), o famoso e ridiculamente divertido SecretCowLevel e tantos outros pormenores que nunca tinham sido vistos noutro jogo nem se voltariam a ver com tanta frequência ou tão bem feitos. Assim, Diablo II tornou-se numa marca indelével no género em que se insere e até mesmo numa geração, estabelecendo um novo standard para o que seria esperado de um action RPG daí para a frente. A acção frenética, a sede de avançar mais um nível e a capacidade de nos tornar a todos em obsessivos-compulsivos atrás do melhor equipamento possível fez com que assim que alguém falasse em RPGs ocidentais, obrigatoriamente teria de se falar em Diablo. Depois, veio a espera...como já é habitual da Blizzard, teríamos um longo período de espera até termos outra sequela nesta série brilhante (cerca de 12 anos!), que teria a tarefa hercúlea de, pelo menos, igualar uma fasquia demasiado elevada.

Exumação
Depois do sucesso massivo de Diablo IIuma sequela parecia inevitável, no entanto durante imenso tempo, nada se ouviu falar de tal coisa. Em 2003, quatro dos membros essenciais na equipa que produziu os dois primeiros jogos da série abandonou a Blizzard, incluindo os três fundadores daquilo que se havia tornado a BlizzardNorth. Em 2005 a divisão North acabou por ser desmantelada. Nada se ouviu falar até muito mais tarde em 2008.
Numa altura onde se pensava que o franchise estava enterrado, A Blizzard decide recorrer ao processo de exumação e um Diablo muito diferente foi então revelado. O terceiro capitulo desta série teve uma recepção ao inicio complicada. Depois de mostrar o jogo a Blizzard recebeu dois tipos de reacção, aqueles que acharam o que viram fantástico e que adoravam as novas nuances do combate e aqueles fãs mais dedicados que detestaram a nova direcção de arte do jogo, chamando-lhe mesmo em alguns casos um Diablo acriançado. Os gráficos estavam realmente mais cartoonish e sem duvida muito mais coloridos do que havia sido habitual. Isto manteve-se na versão final embora a Blizzard tenha recuado um pouco neste aspecto, ouvindo muitos dos comentários da comunidade que temiam pelo futuro da série.

Muito estilo e pouca essência – Diablo III
Após quatro anos desde o seu anúncio Diablo III foi lançado no mercado, em Maio de 2012. Este terceiro capítulo ficou um pouco atrás dos seus antecessores no que toca à receptividade que teve do público e dos meios de comunicação social. Nos mídia a opinião era mais ou menos igual, um bom jogo que fica atrás em termos de divertimento quando comparado com os primeiros. Para o público e fãs a opinião era mais diversificada, para alguns, um total falhanço que mais parecia ser um RPG do mundo de Warcraft, para outros o melhor RPG de acção que alguma vez jogaram, e alguns dividiram-se entre a nostalgia da obra de arte que eram os anteriores e a qualidade indiscutível deste último.
Eu fui muito critico ao inicio mas a verdade é que Diablo III acabou por me convencer. O combate é realmente muito bom, indiscutivelmente melhor do que havia sido feito, e este é o grande ponto positivo. Quase tudo o resto era mais apelativo nos anteriores. O ambiente de jogo, a história, os personagens principais e secundários, o mundo em si, os cenários aleatórios… Enfim, há imensas coisas que eu gostaria que Diablo III fizesse diferente mas não posso deixar de admitir que ainda assim é um dos melhores jogos dentro do género. Apenas lhe falta trocar algum do seu estilismo gráfico de passerelle por mais essência daquilo que caracterizava antigamente a série, um ambiente distinto e diversão sem limites.

“Temos a arte para não morrer da verdade” – Futuro
E a verdade é que Diablo III mudou, tal como mudou a arte de fazer videojogos. Com a excepção dos independentes muitos passaram de ser projectos de amor para ser projectos com fins estritamente lucrativos. O primeiro Diablo começou como um projecto de sonho de duas pessoas, o terceiro nasce da certeza de este vir a ser lucrativo. Felizmente a franquia esteve debaixo da alçada de um dos melhores estúdios que videojogos que existem, caso contrário o desfecho poderia ter sido muito diferente como aconteceu a vários outros nos últimos anos. Espero que Diablo fique connosco durante muitos anos, mas também espero que o próximo seja uma maior carta de amor aos fãs do que foi o último. Só o futuro dirá que em que direcção a Blizzard vai levar o franchise, no entanto, não me canso de dizer que por mim deveriam lançar expansões para o Diablo II para todo o sempre. Fora de brincadeiras espero que a moda de se focar tudo nas vertentes multi-jogador (que parece ser o foco da Blizzard para o futuro de Diablo III) não estrague aquilo que sempre foi a melhor maneira de contar uma história num jogo, a vertente a solo.
Publicado originalmente na Revista Pushstart a 29/01/2015
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